A exposição Sem Sombras (Unshadowed) apresenta o trabalho de artistas queer africanos de Angola, Nigéria e Moçambique, através de uma variedade de meios, incluindo meios mistos, arte performativa, pintura, música e poesia. A exposição demonstra as formas expansivas em como artistas queer e pessoas que não se identificam com o género que lhes é atribuído socialmente, se exprimem. Esta exposição celebra o pan-africanismo e é organizada e trazida ao público por curadores e artistas queers.

Frequentemente, a projecção de obras de artistas queer invoca uma estética enraizada nos entendimentos ocidentais de vivências queer, alienando - como Outros - quem vive no chamado sul global, ou vendo estas pessoas como necessitando de um amparo da opressão dos contextos sócio-políticos em que elas se encontram. A repressão, exclusão e desejos ocultos, tendem a ser os principais focos da expressão artística queer, quando nos permitimos apenas contar histórias a partir das agressões que sofremos. A exposição Sem Sombras desafia e interage com estas ideias, ao mesmo tempo que agita e motiva os participantes a um envolvimento cívico para a libertação.

As Cartas de amor para meninas mal comportadas de Eliana N’Zualo exploram a divindade de mulheres que amam as mulheres. Filmado nas deslumbrantes cascatas da Naamacha em Moçambique, o vídeo-poema retrata mulheres africanas negras que se acalentam e erguem umas às outras, dando bem-vindas a novas vidas neste meio. O filme emana uma visão amistosa sobre a vida de mulheres africanas queer que escolhem se reverenciar umas às outras com ternura.

Eliana N’Zualo, Cartas de Amor para Meninas Mal Comportadas, 2021, Single channel video, 16 min. Cinematográfico Mariano Silva

Reconhecendo que a libertação trans/queer está profundamente ligada à libertação das mulheres, ao anti-imperialismo e à descolonização, esta exposição honra as palavras de Audre Lourde, que disse, em simples palavras, que as vidas de nenhum de nós estão apenas envolvidas num único assunto. As ideologias de ódio e homogeneização que os colónos europeus trouxeram e mantiveram em África, e em todo o mundo, baseiavam-se na subjugação de pessoas negras e de pele escura, mulheres, trabalhadores, praticantes da espiritualidade tradicional e qualquer pessoa que não fosse heterossexual ou cisgénero. Com os padrões eurocêntricos vivos e dispersos por todo o continente, a luta pela soberania continua. Embora defendamos mudanças nas políticas públicas, também apelamos por uma mudança de paradigma a nível individual e cultural.

Alguns dos artistas em destaque incorporam a espiritualidade nas suas obras, refletindo uma filosofia pan-africana profunda de vivacidade em todas as coisas. As cosmologias africanas ensinam que a vida e a sabedoria existem em todas as formas, e não apenas entre as plantas e os animais. Numa brincadeira com espaço liminar que acontece entre o visível e o invisível, as obras transportam, então, o participante a novas dimensões criadas pelos artistas.

Mmaapengo Námoda, Mom, I Am No Longer Black: A Ritual, 2021, Performance

O ritual de Mmmapengo, Mom, I am no longer black: um ritual trás-nos um acolhimento espiritual em relação à dissolução e reconstrução da nossa própria identidade, que acontece quando somos confrontados com transições entre o espaço físico e metafísico. Do trabalho, Mmapengo escreve: “Um ritual sobre o que foi a mais profunda de todas as minhas mortes; Aquele em que ainda me sinto incomplet@ de linguagem para falar sobre. Então, decidi parar de forçar uma tradução. Não gostaria de cometer a fatalidade de matar a minha morte. O facto é que tenho estado a beber água, a comer e a respirar. Tenho permanecido na presença do que tem morrido sem ter vivido. Tenho tocado nos ecos vindos de águas profundas: lágrimas, suor, medos, feridas, desejos, chichi, fluidos menstruais. Tenho perdoado - a mim, a ti e à História; tenho perdoado, tudo, incluindo a Deus. Já não sou negr@. Estou de volta à escuridão”.

Ser queer é também estar em conflito directo com os ideais capitalistas que ditam como os nossos desejos, corpos e comunidades se devem manifestar. A noção de queerness1 está em oposição ao capacitismo e ao heteropatriarcado, sistemas com mandatos rigorosos sobre como os corpos devem ser e como as mentes devem funcionar. Aqueles que não se conformam são exilados, punidos e aprisionados - práticas que obstruem a reconciliação, como o principal remédio para os conflitos e danos sociais. A noção de queerness também nos inspira a pensar para além dos modelos aborrecidos e violentos da modernidade, desafiando cada um de nós a libertarmo-nos da mentalidade colonial e a honrar diversas formas de ser e de nos relacionarmos uns com os outros.

Pamina Sebastião, ACTO DE DES(APARECER), 2022, Photography, 70 x 100 cm

O novo trabalho d@ artist@ angolan@ Pamina Sebastião, Hacking the Cis.theme, apresenta fotografias d@ autor@ explorando o acto de des(aparecer). Este acto é uma representação da violência diária vivida devido à imposição de categorias binárias de género e a morte daqueles que não se enquadram nas mesmas. A obra imagina uma nova existência através de respostas cirúrgicas ou de alterações corporais que, no entanto, por si só alimentam também a indústria capitalista. Em última análise, este trabalho é uma crítica ao sistema imposto aos nossos corpos com base no jeito como os definimos.

Yaki, Sem título, Digital collage 22.5 x 24.7 cm

Do mesmo modo, a pintura e a fotografia de Ana “Yaki” Machava produz interpretações inovadoras da forma humana, muitas vezes distorcidas para acentuar as formas (extractivas) em que as mulheres negras queer são tratadas por um mundo comprometido com a misoginia contra mulheres negras, em particular.

Amina Gimba, Trans Afrique, 2021, Digital

Amina Gimba, um@ artist@ nigerian@ que também viveu no Gana, trabalha em grande parte com meios digitais e murais. O seu portfólio digital desafia as noções comuns de África como uma terra primitiva salpicada de cabanas, animais selvagens e bebés de barriga inchada. O seu trabalho incorpora humor e sagacidade, com o intuito de humanizar e normalizar as pessoas queer num contexto social e político de crescente austeridade.

Géssica Stagno, Intuição, 2022, mixed media on canvas, 100 x 145 cm

Géssica Stagno utiliza a pintua e meios mistos para retratar abstractamente a viagem de uma alma, outrora prejudicada pela vergonha e pelo medo, num convite colorido para o auto-conhecimento e aceitação.

As actuações de Yuck Miranda são composições notáveis de dança-teatro que evocam desconforto, dor, pertença e riso entre os moçambicanos e audiências de outras partes do mundo. Actualmente, a “prostituta das artes”, como Yuck prefere ser abordada, está a fazer investigação para o seu projecto de longa data - Identidades Não Identificáveis, centrada em narrativas de pessoas LGBTQ+ em países de todo o mundo.

Ser trans ou queer em África é uma proeza impressionante por aqueles que se recusam a viver nas sombras. Ouvindo frequentemente que a nossa forma de ser é resultado da presença colonial branca, os africanos queer são descartados como confusos ou pior. Pouca autocrítica acontece por parte daqueles que procuram nos silenciar e que não reconhecem a origem colonial da sua própria homofobia e transfobia. Desde maridos femininos aos cultos de posse de bori da Hausalândia pré-islâmica; sempre houve espaço e reverência para as pessoas LGBTQI+ no continente africano.

Caminhando para além de um anseio pelo passado, apelamos agora a uma completa mudança de paradigma para vislumbrar um futuro onde pessoas trans e queer possamos definir a nossa própria existência sem repressão, medo e violência. Procuramos mais do que visibilidade e tolerância - lutamos pela libertação.

A exposição Sem Sombras oferece um vislumbre da diversa e próspera cena artística queer em África. Em vez de pretender mostrar “arte queer”, esta exposição proporciona aos artistas queer uma plataforma para mostrar o seu trabalho nos seus próprios termos, desafiando estereótipos sobre a arte africana e arte queer em si. Escolhemos este título para enfatizar a reimaginação do que é ser queer nesta terra, para além da visibilidade, orgulho e assimilação em padrões capitalistas e ocidentais de respeitabilidade. Queremos ser vistos, mas mais importante ainda, queremos simplesmente ser.

Onyịnye Alheri and Carolina Policarpo (caió)
Open Call Exhibition
© apexart 2022

 

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